No momento em que se inicia a COP28, hoje em Dubai, o tema segurança alimentar é de caráter fundamental. Vou explicar o porquê: as mudanças climáticas — que vêm se acentuando cada vez mais com o aumento da temperatura na Terra, gerando, consequentemente, índices mais frequentes de eventos climáticos — resultam em prejuízos nas nossas colheitas e na nossa produção de alimentos. Cabe a um evento tão relevante quanto a conferência do clima da ONU discutir com profundidade a questão da segurança alimentar mundial.
A pandemia da covid-19 provocou a maior recessão mundial das últimas décadas, o que fez com que o último Fórum de Davos (2020) tivesse abordagem distinta das reuniões anteriores, que destacaram as crises mundiais econômicas e financeiras como os maiores riscos aos países. Nesse fórum de 2020, e a partir dele, priorizou-se a plena retomada da economia mundial pós-covid, junto com a inclusão do enfrentamento de problemas ambientais — ou seja, uma recuperação verde.
As transformações climáticas vêm sucessivamente alternando os padrões de temperatura e clima, causando muitos problemas sociais, econômicos e da própria sustentabilidade devido a enchentes, altas temperaturas e grandes oscilações no clima. Isso ocorre em razão da produção dos gases de efeito estufa causados pelo grande uso de combustíveis fósseis, desmatamento e uso inadequado do solo. Esses impactos de temperatura podem causar enchentes, secas e mudanças nos padrões de chuvas.
Em consequência, devemos priorizar os três pilares da economia verde: baixa emissão de carbono, eficiência no uso dos recursos de produção e inclusão social. As agendas governamentais avançam cada vez mais com conectividade, sustentabilidade, fundamento em ciência e tecnologia e inovação. Analisando as informações da OCDE, prevê-se que, nos próximos 10 anos, a produção agrícola e pesqueira da América Latina e Caribe crescerá 14%. Desses, 64% são provenientes da produção agrícola; 28%, do setor pecuário; e 8%, da pesca. A região responderá por 53% da produção de soja global, e a participação do milho deve também aumentar. A produção de aves, suínos e bovinos manterá sua liderança expressiva.
No entanto, os números que se apresentam na segurança alimentar e nutricional pós-covid são preocupantes. A prevalência da fome na região aumentou 28% entre 2019 e 2021. A insegurança alimentar afeta 40% da América Latina — isso representa aproximadamente 277 milhões de pessoas, sendo que 93 milhões sofrem de insegurança alimentar grave, ou seja, têm dias que nada comem.
A crise mundial teve efeito no preço dos alimentos. Iniciando esse impacto em 2020, pensava-se que a pandemia era transitória. Entretanto, a guerra da Ucrânia afetou severamente os preços de energia e fertilizantes, o que fez com que, durante sete meses de 2022, o processo regional inflacionasse. Nossos hábitos alimentares estão mudando, e a produção necessita acompanhar essa transformação. A sustentabilidade não é somente a posição dos líderes globais, mas, sim, o apelo dos consumidores que clamam por uma produção limpa e saudável.
Enfrentamos o desafio de garantir que 50% da população da América possa acessar uma dieta saudável, o que requer o fortalecimento do comércio regional. Como líderes na produção regional de alimentos, é crucial que aumentemos em 60% a demanda global por alimentos e em 50% a demanda por energia até 2050. Para alcançar isso, a união e a organização, por meio de um plano regional de combate à pobreza, são fundamentais. Podemos aproveitar nossa crescente produção de alimentos para facilitar o comércio agrícola regional. Devemos buscar soluções regionais na produção de fertilizantes e fortalecer programas sociais voltados também para áreas rurais. Neste momento de desafios, é essencial estabelecer um programa regional de inclusão produtiva na América Latina com o objetivo de fortalecer a agricultura familiar, promovendo inovação tecnológica, cooperativismo, conectividade e políticas de crédito para novos investimentos.
Quem tem mais riqueza e potencial do que essa região do planeta? Temos riqueza e potencial inigualáveis, vastas extensões de terra, recursos hídricos, energia hídrica, solar, eólica e com grande potencial para expansão, tecnologia, empreendedorismo e clima favorável aos cultivos anuais. Somos responsáveis por cerca de 40% das terras agrícolas do planeta, tornando-nos grandes produtores de alimentos. Para acabar com a fome, melhorar a renda, controlar a inflação e promover o desenvolvimento regional por meio de organização e planejamento para a erradicação da fome, é fundamental o diálogo entre os países, mas, sobretudo, a união pela Terra.
Segundo manifestação do diretor geral do IICA em seminário com ministros e secretários de Agricultura da América Latina e Caribe, ele propôs uma grande “aliança para a segurança alimentar das Américas”, e, para tanto, a união dos organismos e bancos internacionais para apoiar essa aliança e excluir a insegurança alimentar da região. Assim, organização, união e política de resultados são chaves para o êxito da erradicação da fome. Não podemos trabalhar com política econômica que não esteja atrelada à política ambiental do país. Ambas são inseparáveis para se garantir desenvolvimento local.
* Caio Tibério Dornelles da Rocha é consultor internacional para a coordenação regional Sul do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA)
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