Por: Maurício Antônio Lopes – Pesquisador da Embrapa Agroenergia
A realização da COP28 nos Emirados Árabes Unidos evidenciou, mais uma vez, a pronunciada disparidade entre os setores proeminentes no debate sobre a crise climática: petróleo e agricultura. Dubai, um epicentro vital para a indústria de energia fóssil, foi escolhida como sede da conferência, ressaltando sua influência. Ao fim do evento, o setor do petróleo acentuou sua posição de poder, devendo seguir influente e subsidiado por bilhões de dólares anualmente.
A agricultura, embora crucial para a humanidade, enfrenta uma realidade distinta. Responsável por parcela muito menor das emissões globais de gases de efeito estufa, o setor carece da mesma influência política da indústria do petróleo. Fragmentado e disperso, lida com desafios complexos, como regulamentações ambientais rigorosas, eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas, mercados competitivos e consumidores exigentes.
A agricultura desempenha um papel singular na equação da sustentabilidade. A depender da perspectiva analisada, pode ser considerada vítima, pois o aquecimento da atmosfera, dos oceanos e do solo tornam o clima menos estável e previsível, com impactos diretos na produção de alimentos. E pode também ser taxada de vilã, pois emite gases de efeito estufa, contribui para a perda de habitats e biodiversidade e é grande usuária de água doce.
Embora a indústria do petróleo seja reconhecida como mais poluente e uma das principais impulsionadoras das mudanças climáticas, é a agricultura que segue sendo sistematicamente taxada de grande responsável pelas mudanças de clima. Com a narrativa climática concentrada na produção de alimentos, muitos se sentem menos inclinados a questionar ou pressionar por mudanças em outros setores.
Enfrentar tal realidade exigirá da agricultura uma mudança de estratégia, transcendendo a abordagem convencional centrada apenas na produção de alimentos, fibras e energia renovável. Uma visão ampliada é necessária, englobando ativos até então elusivos e subestimados, tais como serviços ecossistêmicos, preservação da biodiversidade, expansão das reservas hídricas, qualidade do solo e sequestro de carbono. A agricultura poderá se tornar apta a prover todos esses benefícios, que são tão essenciais para fortalecer a produção quanto para garantir a resiliência dos ecossistemas.
Ao ampliar a visão para além dos tradicionais pilares produtivos, reconhecendo o valor dos ativos naturais, o setor não apenas se fortalecerá frente aos desafios mais imediatos, mas também se posicionará como agente fundamental na construção de um futuro sustentável e resiliente, alinhado com as expectativas de uma sociedade comprometida com a preservação do meio ambiente. Os ativos naturais exercem, cada vez mais, um forte apelo sobre uma população cada vez mais urbana, exigente e ávida por práticas sustentáveis.
Muitos podem argumentar que tal visão é apenas um sonho impossível de se realizar. No entanto, a convergência de tecnologias avançadas, como inteligência artificial (IA), algoritmos e modelagem avançada, juntamente com sistemas de satélite e monitoramento sofisticados, já viabiliza a qualificação, a verificação e o rastreamento preciso de ecossistemas terrestres. Esses avanços tecnológicos promovem a criação de ativos associados a melhorias naturais, como o aumento da biodiversidade, a capacidade de retenção de água, a qualidade do solo e a quantidade de carbono sequestrado.
Ativos que se apresentam como uma oportunidade tangível para a monetização do capital natural, capaz de regenerar e preservar a natureza. Assim, investidores e corporações interessados em fortalecer suas cadeias de suprimentos podem participar de iniciativas que não apenas contribuam para a sustentabilidade, mas também gerem retornos financeiros. Produtores têm a possibilidade de acessar incentivos que os auxiliem na transição para um modelo de agricultura voltado para a proteção e potencialização de seus ativos naturais.
À primeira vista, a monetização ou atribuição de valor econômico a esses ativos e a recompensa para aqueles que contribuem para sua manutenção e fortalecimento podem gerar distorções nas relações dos sistemas econômicos com a natureza. No entanto, tal abordagem pode ser a única maneira de integrá-los de forma duradoura nos processos decisórios da sociedade, evitando, assim, sua diminuição ou perda, o que acarretaria impactos desastrosos para todos.
Essa estratégia pode se tornar relevante não apenas para a agricultura, mas para muitos outros setores dependentes de recursos naturais, como o turismo, que representa uma importante fonte de renda para cidades, regiões e países. Esse setor é altamente dependente de recursos como paisagens, praias, parques e reservas naturais. Ao aplicar o conceito de ativos naturais valorados, torna-se possível recompensar aqueles que se empenham na preservação e proteção desses recursos, promovendo práticas sustentáveis no turismo.
A seleção de Belém, Pará, como sede da COP30 em 2025 representa uma oportunidade única para se introduzir abordagens assim ousadas no tratamento do patrimônio natural. O simbolismo de uma COP na Amazônia pode servir de inspiração para se estabelecer um paradigma transformador na gestão ambiental global, ressaltando a interconexão vital entre conservação, prosperidade econômica e bem-estar humano.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Receba notícias no WhatsApp
Receba notícias no Telegram