De Jogos Vorazes até Round 6, passando por Black Mirror e Blade Runner – O Caçador de Androides, a ávida busca pela distopia parece maior do que nunca.
Talvez seja porque os clichês do gênero estejam ultrapassando os limites da ficção. Afinal, a Neuralink de Elon Musk e o Metaverso de Mark Zuckerberg parecem ter saído de contos premonitórios.
Ao mesmo tempo, a inteligência artificial também traz desafios sem precedentes, enquanto as mudanças climáticas causadas pelos seres humanos ameaçam desestabilizar nossa frágil ordem mundial.
A ficção distópica pode ter importância fundamental. Ela pode conter avisos importantes e fazer soar alertas sobre questões sociais, extrapolando trajetórias problemáticas em direção ao futuro.
Por outro lado, ao imaginar constantemente o futuro como algo já perdido para a distopia na nossa ficção, podemos correr o risco de perdê-lo também na realidade.
Agora que observamos o que nos espera em 2024 – e nos anos, décadas e séculos que irão se seguir –, cabe perguntar: será que existem outras formas de pensar sobre o futuro?
A resposta óbvia seria observar o amanhã através da lente da utopia, mas ela também tem suas desvantagens. A utopia pode expandir as mentes, mas pode também levar as pessoas fortemente apaixonadas por ela a agir de forma precipitada ou prejudicial, forçando suas esperanças para que se realizem no momento presente.
Como historiador que estuda como as visões de mundo se transformam e as prioridades se alternam, à medida que aprendemos mais sobre nós mesmos e sobre o nosso lugar do Universo, meu interesse é saber como a percepção das pessoas sobre o futuro mudou ao longo do tempo.
Se olharmos 100 anos para trás, como era o amanhã imaginado naquela época?
Um século atrás, havia distopias e utopias, mas muitos escritores e pensadores também abordavam o futuro de outras formas — com uma perspectiva aberta, moderada e, muitas vezes, divertida. Tudo isso, mesmo com os graves desafios enfrentados pelas suas sociedades.
O que podemos aprender com as visões de futuro das gerações anteriores?
O futuro distópico de 100 anos atrás
Imagine um mundo com guerras horríveis enchendo de fúria a Europa e o Oriente Médio; uma pandemia que subjugou o mundo; os povos sofrendo a deterioração do clima e uma esmagadora desigualdade caminhando lado a lado com a riqueza sem precedentes.
Um mundo que protesta em nome da justiça social e se revolta contra passados opressores e monopólios corruptos. Um mundo em que as tecnologias emergentes parecem dispostas a abalar as fundações da sociedade, seja substituindo grandes massas de trabalhadores pela automação ou — o pior — precipitando a catástrofe universal.
Esta descrição não se aplica apenas ao nosso presente, quando visto por algumas pessoas. Ele também é um retrato da situação mundial de um século atrás, no final da década de 1910 e início dos anos 1920.
Ao lado do massacre mecanizado da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da mortal pandemia de gripe espanhola (1918-1919), o período presenciou rápidos desenvolvimentos da ciência (como a descoberta da radioatividade), que prometiam a liberação de certos poderes que, sem dúvida, eram ainda mais perturbadores.
No lugar das mudanças climáticas atuais, eles tinham smog e o desenvolvimento das favelas.
Hoje, nossos celulares e redes sociais nos tornam testemunhas diretas das tragédias mundiais. Já eles, no passado, graças a uma recém-formada rede mundial de notícias, foram a primeira geração a acompanhar desastres como espetáculos de massa, como o naufrágio do Titanic.
Cem anos depois que eles observaram o crescimento do número de multimilionários (por sinal, um deles – John Jacob Astor IV (1864-1912) – morreu no famoso naufrágio), estamos agora aguardando o primeiro trilionário. E, enquanto a estabilidade geopolítica atual parece estar se desfazendo, eles observavam o surgimento de novos regimes autoritários.
Com tudo isso, é compreensível que, 100 anos atrás, houvesse um crescimento da ficção distópica, similar ao que observamos nos tempos atuais.
Havia visões assustadoras de totalitarismo tecnológico, com os oceanos do planeta aterrados e as montanhas niveladas. Seres humanos se tornariam drones servidores, como se fossem neurônios que alimentam um megacérebro centralizado e mecanizado.
Havia até visões proféticas de desastres climáticos. Uma delas foi o livro Berge, Meere und Giganten (“Montanhas, oceanos e gigantes”, em tradução livre), do médico e escritor alemão Alfred Döblin (1878-1957).
A obra mostra um futuro de alta tecnologia, assolado pela superpopulação. Nele, é formulado um plano para derreter a camada de gelo da Groenlândia e criar mais espaço para as pessoas viverem.
Uma nova e misteriosa forma de energia é anunciada para realizar este projeto. Os resultados são desastrosos, já que ela desencadeia um cataclismo ambiental que se espalha pelo Hemisfério Norte.
Mas a esperança também ressoava. Esperança de que o trator da civilização pudesse ser dirigido — que as forças tecnológicas, liberadas pelos gênios da ciência, pudessem ser dominadas de forma coletiva e igualitária para melhorar o mundo.
O futuro da geração de 100 anos atrás parecia dividido entre a esperança e a distopia, entre a renovação e a calamidade final.
Em meio às distopias, permanecia a convicção generalizada de que a tecnologia poderia ser dominada de forma harmônica com o mundo natural, para emancipar a humanidade, em vez de eliminá-la.
‘Poderes jamais sonhados’
Keir Hardie (1856-1915) foi o fundador do Partido Trabalhista britânico, em 1900. Falando para um salão lotado em Yorkshire, no Reino Unido, em 1923, ele comparou diretamente o empoderamento gerado pela ciência com o proposto pelo seu movimento.
Hardie observou como os físicos haviam descoberto recentemente formas de energia totalmente novas, como o raio X e a radioatividade.
Ele indicou que, se dominados adequadamente, esses poderes prometiam de tudo, desde milagres da medicina até a libertadora abundância de energia não poluente.
Comparando diretamente essas revelações científicas com a luta dos trabalhistas pelos direitos e pela proteção dos trabalhadores, Hardie declarou que a formação de um Estado de bem-estar nascente no Reino Unido poderia também liberar “poderes e forças jamais sonhadas da natureza humana”.
Essas afirmações podem parecer dissonantes, agora que a “tecnologia” frequentemente aparece como sinônimo de “grandes empresas tecnológicas” e passou a ser mais um cavalo de batalha para fazer crescer a desigualdade, em vez do igualitarismo.
Mas, naquela época, o casamento entre as inovações tecnológicas e o lucro e os interesses privados era mais fraco e, portanto, menos arraigado na consciência do público.
Talvez seja uma indicação de que essa expropriação não fosse historicamente inevitável e, portanto, não precise necessariamente ser mantida para sempre.
No final da Primeira Guerra Mundial, ninguém mais questionava que a ciência estivesse pronta para mudar tudo, do trabalho até a guerra. A tecnologia prometia mais do mesmo: mudanças colossais.
Mas, aparentemente, mais do que nunca, este processo poderia seguir em diversas direções, que deixaram de se restringir a um único destino brilhante ou sombrio.
Os choques da época agiram como um prisma, dividindo o caminho único para o amanhã em muitos trajetos possíveis. Cada um desses trajetos levava a destinos completamente diferentes — e todos aparentemente plausíveis, do ponto de vista daquele momento.
Cem anos atrás, perspectivas mais estranhas e variadas, diferentes das consideradas apenas uma geração antes, não podiam mais ser ignoradas.
Este espírito foi incorporado em uma série de livros popular que foi publicada no Reino Unido, intitulada To-day and To-morrow (“Hoje e amanhã”, em tradução livre). Seu centenário de publicação foi comemorado no final de 2023.
Cada uma de suas linhas encenava um florescimento profético, traçando possíveis transformações das questões humanas, em estilo corajoso e, muitas vezes, provocador.
A série trata de algumas áreas claramente esperadas, como o transporte e a tecnologia. Mas também foram incluídas notas sobre o futuro dos xingamentos, da poesia, das roupas, do absurdo e das risadas.
E um registro de 1929, da pacifista Vera Brittain, simboliza o tom virtuoso da obra.
Os historiadores do futuro
Após décadas de protestos coordenados e penosas lutas, as mulheres só haviam recebido o direito ao voto universal no Reino Unido no ano anterior. Brittain aproveitou a oportunidade para projetar o amanhã, prevendo o futuro das relações de gênero.
No texto, intitulado “Halcyon ou o Futuro da Monogamia”, Brittain começa adormecendo. No sonho, ela lê uma “história moral, destinada a ser publicada em um futuro muito distante”.
Sua autora é “Minerva Huxterwin”, da “Cadeira de História Moral da Universidade de Oxford [Reino Unido]” – um cargo que não existia na época e não existe até hoje.
Aparentemente vivendo e escrevendo daqui a muitos séculos, Huxterwin é especializada em registrar as revoluções morais do século 20. E o restante da obra de Brittain é sua transcrição, ao acordar, do texto lido no sonho.
É claro que tudo é ficção. Huxterwin é uma personagem inventada.
Mas o texto é brilhante e permite a Brittain divulgar sua visão preferida do que poderia ser o amanhã, usando uma historiadora imaginária de séculos no futuro como sua porta-voz.
A poderosa visão de Brittain se realizou em parte.
Ao narrar o futuro imaginado pela autora, Huxterwin conta, do seu futuro distante, como as tecnologias domésticas introduzidas a partir dos anos 1930 renovaram as relações de gênero ao longo do século 20.
A historiadora do futuro registra que o casamento, não mais opressivo, mas mutuamente agradável, sobreviveu bem no futuro, mas apenas devido à sua contínua transformação.
A obra de Brittain não foi a única “história do futuro” escrita naquela época. Muitas profecias de destaque seriam frequentemente apresentadas em um piscar de olhos como as reflexões de comentaristas de séculos no futuro.
O exemplo mais conhecido talvez seja o best-seller Looking Backward (Um Futuro para a Terra, Ed. Conhecimento, 2022), do escritor americano Edward Bellamy (1850-1898). Publicado originalmente em 1887, o livro teve um novo pico de popularidade nos anos 1930.
A obra traz as reflexões do autor, um socialista sonhador, e como ele imaginava os Estados Unidos do ano 2000.
Aquela geração não foi a primeira a fazer uso do historiador do futuro. No auge do Império Britânico, os vitorianos gostavam de se surpreender imaginando como, em algum futuro incerto, arqueólogos viajantes de terras distantes poderiam decifrar as ruínas decadentes da cidade de Londres.
Muitas vezes, esses visitantes imaginários eram povos indígenas de outros continentes, que teriam ascendido às suas posições de ancestralidade imperial. A intenção era escandalizar a sensibilidade racista da Inglaterra vitoriana.
Mas o historiador do futuro empregado pelos vitorianos restringe mais do que expande a sua imaginação. Ele define o futuro como já estabelecido, com o tempo correndo em um único caminho, determinado, neste caso, pela ascensão e queda de impérios e descendências.
O ritmo pode ter variado, mas o tom permaneceu. Avançar no tempo desta forma permitia que os escritores afirmassem que a história não poderia ter seguido por nenhum outro caminho.
Podar polidamente os caminhos não traçados, insinuando que nunca haveria alternativas, faz com que o curso do tempo pareça ser fechado a tudo o que é imprevisto ou imprevisível.
Quando Brittain e os demais autores imaginaram os historiadores do futuro, na verdade, eles se basearam em uma tradição formada por escritores mais antigos, como Joseph Addison (1672-1719), que abriu as mentes em fez de fechá-las.
Em 1711, Addison ponderou qual conclusão imparcial poderia ser traçada por um historiador do futuro sobre a controversa política do seu tempo.
Mas sua previsão é claramente perturbada, já que o autor interrompe a si próprio, assumindo flagrante parcialidade. Seu historiador do futuro acaba escrevendo sobre a consideração que as pessoas do futuro teriam pelo próprio Addison.
É claro que esta é uma brincadeira de autoconhecimento. Mas ela faz mais do que salientar como as previsões são influenciadas pela pessoa que as apresenta.
Na sua flagrante parcialidade, Addison não está apenas encenando o irônico fracasso da sua própria previsão. Ele também apresenta a possibilidade de engano de todas as tentativas de capturar o futuro. Afinal, o comportamento de amanhã sempre será diferente das nossas previsões.
As histórias de futuro dos anos 1920 herdaram muito mais da fantasia de Addison que da angústia vitoriana.
As previsões como a de Brittain eram apresentadas como abertamente inventadas. Ficções declaradas, elas ostentam sua pretensão num piscar de olhos.
Além de permitir aos escritores criticar com mais liberdade as limitações, desigualdades e intolerâncias do presente, elas também abrem espaço para que possam coexistir diversos caminhos possíveis.
Assumir o papel de historiador do futuro é claramente absurdo, um feito impossível. Mas, como todos sabemos disso (tanto o autor quanto o público), entendemos que estamos livres da tarefa de apresentar afirmações sérias sobre o que irá acontecer e levados para o terreno mais amplo e incerto do que poderia ser.
Nosso foco foi ampliado. Ele se expandiu do mais provável para o meramente possível. Prever, muitas vezes, é prescrever; mas propor é iniciar o diálogo e brincar com ele.
Caminhos assustadores
Vamos ser honestos: os visionários do futuro de 100 anos atrás erraram muito. Mas, mesmo assim, podemos extrair conhecimentos das suas obras.
Vivendo nos anos 2020, estamos presenciando o “amanhã” que muitos profetas de um século atrás tentaram antecipar. Agora, podemos olhar para trás e traçar avaliações, como fizeram os personagens que eles criaram.
Este exercício revela muitas previsões otimistas sobre tecnologias, por exemplo, que nunca se tornaram realidade — mas também antevisões de caminhos que precisamos agradecer por não terem sido seguidos pela história.
Um exemplo desses caminhos é Moving the Mountain (“Movendo a montanha”, em tradução livre), uma utopia feminista idealizada pela proeminente sufragista americana Charlotte Perkins Gilman (1860-1935) e publicada em 1911.
Por meio de um artifício que envolvia amnésia, nossa narradora acorda depois de ter sido lançada para os Estados Unidos décadas depois.
O país é irreconhecível: dias de trabalho de duas horas, mulheres totalmente emancipadas e a civilização é alimentada por “motores solares”.
Também não há crimes, nem pobreza. Mas isso ocorreu porque, nas aterradoras palavras de Gilman, os “degenerados” foram esterilizados e “removidos”.
O futuro de Gilman atingiu a “igualdade” — não pela emancipação, mas pela brutal eliminação dos desfavorecidos e dos considerados inadequados.
Como muitos outros autores dos anos 1920, Gilman foi erroneamente convencida pela noção de eugenia, segundo a qual o “caráter moral” é rigorosamente herdado e não moldado pelo ambiente ou pela criação de uma pessoa.
Mas outros, como Brittain, olharam para além dessa noção. Sua historiadora do futuro mostra um mundo que nunca deu atenção à eugenia. Nele, a sociedade reconhece que os destinos dos mais jovens não são determinados pelos seus genes, mas principalmente moldados pela igualdade de oportunidades e pela afeição dos pais.
As lições das previsões feitas no passado
As visões eugênicas permaneceram amplamente aceitáveis naquele período e chegaram a influenciar a política em nível global, dos Estados Unidos até o Japão.
Paranoias de classe e racistas, sobre “pessoas más” ultrapassando as classes “superiores”, emergem entre as previsões daquela época.
O mesmo acontece com as prescrições que agora sabemos que são hediondas e prejudicaram inúmeras pessoas na vida real. Se elas tivessem sido implementadas de forma mais abrangente, muitos de nós não estaríamos por aqui nos dias de hoje.
Aqui, a lição é contundente. Apenas algumas gerações atrás, pessoas influentes, convencidas de que agiam benevolentemente em nome das gerações futuras, foram levadas a desastradas conclusões maléficas, devido a crenças falaciosas e à intolerância contida da sua época.
Esta situação deveria nos levar a refletir sempre que alguém falasse para o futuro hoje em dia.
A previsão é um jogo controverso. Tão controverso quanto prescrever qual é o melhor futuro – não apenas para pessoas como nós, mas para todos.
Por isso, devemos suspeitar de todas as visões. Na verdade, a previsão não está separada do poder e, invariavelmente, ela é maculada pelo preconceito.
As utopias do passado costumam nos horrorizar hoje em dia. E esta percepção é essencial à medida que olhamos para frente.
Enquanto permanecermos vigilantes a este respeito, podemos incentivar a abertura e a multiplicidade. De fato, as expectativas e os projetos do futuro não seriam mais confiáveis e inclusivos ao longo do tempo, se ninguém se esforçasse para ficar alerta aos seus erros e exceções, aqui e agora.
As previsões do amanhã de 100 anos atrás comprovam tudo isso, não só na sua multiplicidade social, mas nos seus vieses que foram preservados para podermos aprender com o presente.
Tomando as previsões em conjunto, podemos concluir que nenhum dos futuros previstos hoje irá realmente suportar o escrutínio do tempo.
Mas isso não é ruim. Afinal, se o nosso presente também permanecer corrupto – tanto visivelmente quanto em formas atualmente invisíveis – talvez não seja tão terrível se o futuro permanecer além do nosso alcance.
O que aspiramos a ser, mas afinal não somos, deveria nos confortar. Ele significa que existe espaço para melhoria além do que podemos imaginar atualmente.
É aqui que reside o poder de escrever histórias do futuro como a de Brittain, que aborda o tempo presente da sua autora de forma divertida e irreverente.
Elas nos convencem a retirar as vendas do presente, mesmo que de forma teatral. Elas nos provocam ao revelar, do falso ponto de vista de séculos depois, que nós somos os responsáveis pelo status quo.
Talvez, desta forma, possamos atingir não só o futuro idealizado hoje, mas o amanhã que fica um pouco além das fronteiras do que podemos imaginar atualmente.
É assim que as profecias, quando feitas corretamente, podem ir além de nos mostrar nossos próprios preconceitos e preferências. Elas podem nos ajudar a reformulá-los, procurar o que pode ter passado despercebido, tomar novos rumos desafiadores e a nos observar como os ancestrais inflexíveis do desconhecido mundo futuro.
Vale a pena nos relembrar que, da mesma forma que ocorreu com as gerações passadas, provavelmente também somos prisioneiros das nossas próprias crenças provincianas sobre o que é inevitável sobre os nossos paradigmas atuais. E muitas vezes comprovamos, ao longo do tempo, que essas crenças estavam erradas.
O papel da esperança
Hoje em dia, somos mestres em visões distópicas que condenam o futuro ao fracasso. Mas, nos últimos 100 anos, será que perdemos um pouco da esperança que havia nos futuros previstos naquela época?
Um século atrás, a esperança sempre prevalecia. Talvez, depois dos traumas das trincheiras, as pessoas só conseguissem imaginar futuros melhores, para fazer com que a recuperação valesse a pena.
Algo similar se aplica novamente hoje em dia. O colapso climático pode muito bem arruinar o futuro da Terra. Mas, exatamente por isso, precisamos ter esperança de mundos melhores amanhã.
Este tipo de esperança é diferente do tecno-otimismo que defende ingenuamente que, com inovações desenfreadas, o “progresso” não pode ser interrompido e tudo inevitavelmente irá terminar bem.
Na verdade, ao agarrar-se à simples convicção de que as coisas podem melhorar, a esperança age como uma estrela distante — sempre vigiando, mas eternamente fora de alcance.
Ela dirige todas as tentativas atuais para superar nosso presente atribulado, incentivando todos os esforços de consertar o que está errado com o mundo aqui e agora, sem exigir a manifestação de alguma perfeição utópica impossível.
Existem graves ameaças ao nosso futuro coletivo, mas não vamos esquecer que enfrentá-las com total clareza, aliada a uma sisuda gravidade, pode fazer as coisas mudarem para melhor.
Afinal, como ilustra o caso de Vera Brittain, às vezes, as reformas sociais verdadeiramente poderosas começam sendo expressas como devaneios não muito sérios de algo que “poderia” ser verdade, antes de se tornarem questões palpáveis que “precisam” acontecer.
*Thomas Moynihan é historiador de ideias e autor do livro “Risco X: Como a Humanidade Descobriu sua Própria Extinção” (em tradução livre do inglês), publicado pela editora MIT Press em 2020. Atualmente, é pesquisador visitante do Centro de Estudo de Riscos Existenciais da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Sua conta no X (antigo Twitter) é @nemocentric e seu site é thomasmoynihan.xyz.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.