O tema de gênero entrou de vez no debate dos países, num movimento transversal e unido à percepção de que a igualdade entre homens e mulheres em todas as esferas faz os países crescerem mais e com renda maior. As discussões sob a inédita presidência do Brasil do G20, grupo das maiores economias do mundo, refletem esta abordagem.
Pela primeira vez, um grupo de trabalho vai propor aos chefes de Estado no Rio, políticas de combate à desigualdade de gênero, com enfoque no crescimento econômico e no desenvolvimento sustentável. A pauta vem avançando nos últimos anos às margens das reuniões oficiais.
Desta vez, o objetivo é deixar claro o compromisso com essa agenda no documento final que será assinado pelos líderes na cúpula de novembro, no Rio, afirmam os atores que trabalham nas propostas, tanto da sociedade civil quanto do governo brasileiro.
Criado em 2023 sob presidência da Índia, o grupo de trabalho (GT) Empoderamento das Mulheres vai atuar efetivamente pela primeira vez. Coordenado pelo Ministério das Mulheres, tem eixos específicos: a desigualdade no mercado de trabalho, o ecossistema dos cuidados, a misoginia e a violência e a justiça climática.
Mas chama a atenção a transversalidade da questão de gênero, tanto nas trilhas oficiais de trabalho quanto nos grupos de engajamento da sociedade civil. De Finanças e Comércio e Investimentos aos grupos de engajamento das grandes empresas (B20), a pauta está sendo incorporada a estudos e propostas muito além do GT específico.
— A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que o PIB mundial seria 28% maior se tivéssemos igualdade salarial plena entre homens e mulheres. É um desafio central no Brasil e nas grandes economias do mundo. Acho que esse GT vem nessa linha do protagonismo das mulheres, com a ocupação dos espaços de poder. Esse é um debate que vai assumir relevância na presidência brasileira no G20 — afirma a chair (líder) do grupo oficial, Ísis Taboa, do gabinete da ministra Cida Gonçalves.
Acordo comercial
O W20, grupo de engajamento das mulheres da sociedade civil, lista cinco temas prioritários: justiça climática, combate à violência contra mulheres, participação maior nas carreiras de ciências, exatas e tecnologia, empreendedorismo e economia do cuidado.
Ana Fontes, chair do grupo e CEO da Rede Mulher Empreendedora, diz que as barreiras para a mulher empreender se sobrepõem. Falta acesso a crédito em qualquer modalidade: microcrédito, anjo investidor e fundo de investimento:
— É um gargalo gigante. Tem que criar linhas diferentes, de inovação, olhar para os negócios das mulheres com o potencial que eles têm. Outro ponto importante é acesso a mercado. Precisamos estruturar mecanismos de compras inclusivas nas grandes empresas e no governo.
O grupo oficial de Comércio e Investimentos elencou entre suas quatro prioridades de trabalho o tema mulheres e comércio internacional. O Brasil tem exemplos a apresentar. Em 2022, foi anexado um capítulo de comércio e gênero no acordo comercial com o Chile, fechado em 2018. Nele, os países assumem o compromisso de incorporar “a perspectiva de gênero no comércio internacional”.
Na semana passada, o Brasil aderiu ao Arranjo Global sobre Comércio e Gênero, na 13ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio em Abu Dhabi. Mas a participação feminina no comércio exterior brasileiro ainda é tímida: só 14% das empresas que exportam são lideradas por mulheres.
O percentual sobe um pouco quando se foca nas pequenas empresas: 24%. No quadro dessas companhias que comercializam com o exterior, 32,6% são mulheres.
—Empresas que exportam remuneram melhor seus empregados, são mais resilientes, produtivas e inovadoras. Pela primeira vez, conseguimos desagregar esses dados. Não tínhamos esse olhar de gênero nas estatísticas. Foi a base do trabalho — afirma Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, pasta que coordena o grupo de Comércio e Investimento com o Itamaraty.
A segunda frente, segundo a secretária, é influenciar no debate global:
— O G20 é uma plataforma única para que o Brasil busque esse objetivo —diz Tatiana.
O governo tem feito parcerias com associações como a do setor têxtil (Abit) para levar os projetos adiante. Essa é a abordagem dos trabalhos do B20, coordenado pela Confederação Nacional da Indústria.
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— Uma das coisas dessa presidência brasileira é a perspectiva de não olhar por silo. São oito grupos temáticos, como educação, transformação digital, mulheres nos negócios, educação e emprego. E todas as forças-tarefas acabam trabalhando nessa temática integrada —diz Constanza Biasutti, gerente de Diplomacia Empresarial e Competitividade do Comércio da CNI.
Para ela, “não cabe dúvida” de que a maior participação das mulheres nos negócios tem efeito “proporcional positivo” na economia.
Os estudos de gênero estão cada vez mais voltados a mensurar o impacto econômico positivo das políticas públicas voltadas à equidade de gênero.
—Quando chego para um ministro da Fazenda, não especificamente o nosso, mas em geral, o argumento é que vamos criar tantos empregos, que são empregos que não vão aumentar a emissão de gases poluentes. E com mais mulheres livres para trabalhar, vai ter um impacto positivo no PIB— afirma Luiza Nassif Pires, copresidente da força-tarefa para propor políticas de combate à fome e à desigualdade do T20, que reúne think tanks e institutos de pesquisa do G20.
Luiza, diretora do Centro de Pesquisas em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP e professora da Unicamp, diz que o objetivo é desenvolver políticas que incorporem três dimensões: “gerem crescimento, não aumentem as emissões e reduzam as desigualdades”.
Crise de cuidados
A tributação é outro caminho para desenvolver política de gênero, como a de cuidados, uma das prioridades do W20. Com restrições orçamentárias dos governos, a progressividade da tributação pode ser fonte de recursos.
Especialistas vêm alertando para a crise dos cuidados, que afeta diretamente as mulheres, que majoritariamente assumem esta função na sociedade, dentro e fora de casa. O governo brasileiro está preparando um Plano Nacional de Cuidados. E a Argentina determinou em lei que o cuidado materno conte com um a três anos no tempo necessário para se aposentar.
A despeito das múltiplas frentes de trabalho, Alessandra Nilo, articuladora política do C20, grupo de engajamento dos movimentos sociais, aconselha a dosar o otimismo com o avanço da temática de gênero nas discussões diplomáticas. A baixa representação de mulheres nos espaços de poder dificulta empurrar para frente essa agenda.
Na América Latina, menos de 27% das cadeiras nas eleições municipais são ocupadas por mulheres, contra 35% globalmente. A própria “bancada de chefes de Estado” do G20 tem predominância masculina.
— As mulheres precisam ser vistas dentro dos orçamentos públicos. Enquanto isso não acontecer, no trade-off (escolha) entre os temas, os de gênero são os que caem para que outros entrem.
Tatiana Berringer, do Ministério da Fazenda e que está coordenando o diálogo com a sociedade civil no grupo de trabalho de Finanças, está mais otimista.
— Estamos trabalhando para que exista uma menção específica. O governo brasileiro definiu a desigualdade como tema prioritário.
O que pode sair do encontro do G20
Acesso a capital
Combate à violência
Desigualdade de raça
Economia do cuidado