Maurício Antônio Lopes*
A era digital tem sido marcada por avanços extraordinários, como a democratização da informação, a conectividade global sem precedentes e uma aceleração notável na inovação tecnológica. Apesar de abrirem vastas oportunidades, essas conquistas vêm acompanhadas de desafios complexos. O surgimento de gigantes digitais e plataformas on-line impacta de forma profunda os nossos padrões de consumo, comunicação e pensamento, oferecendo benefícios, mas também riscos significativos.
A centralização de poder em um pequeno número de empresas, a exploração de dados pessoais, o aumento das disparidades digitais e a disseminação de desinformação e extremismo on-line são apenas algumas das questões exacerbadas pela ausência de mecanismos eficazes para regular o mundo digital. Ao que parece, as abordagens tradicionais de regulação e controle dificilmente conseguirão lidar com a complexidade e a evolução muito rápida desses sistemas.
Apesar de parecerem distantes à primeira vista, os conceitos da ecologia e da sustentabilidade podem vir a desempenhar um papel crucial na orientação de uma evolução mais inteligente e racional do mundo digital no futuro. Assim como os ecossistemas naturais dependem da interdependência, da diversidade e do equilíbrio para perdurar e prosperar, o ambiente digital também pode se beneficiar desses princípios fundamentais da natureza.
Esse tema foi abordado durante um evento realizado em dezembro de 2023 pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), uma agência dedicada a promover o desenvolvimento econômico global inclusivo e sustentável. O encontro tratou dos recentes avanços na regulamentação da competição e como as autoridades estão adotando abordagens baseadas em ecossistemas para avaliar casos de fusões e aquisições.
Elena Rovenskaya, pesquisadora do Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas (IIASA), com sede na Áustria, defendeu que a aplicação de metáforas e conceitos da ecologia pode oferecer insights valiosos para a compreensão da dinâmica e da evolução da economia digital. Sua conclusão é que comparações com ecossistemas naturais podem auxiliar a compreensão de aspectos complexos e interconectados do ambiente digital.
Por exemplo, assim como os ecossistemas naturais dependem da diversidade de espécies para garantir sua resiliência e estabilidade, os ecossistemas digitais podem se beneficiar da variedade de atores e serviços para fomentar inovação e adaptação contínua. Além disso, a ideia de interdependência e interconexões presentes nos ecossistemas naturais pode ilustrar a importância das parcerias e colaborações entre diferentes agentes no ambiente digital.
Da mesma forma, o conceito de nichos ecológicos pode ser aplicado aos mercados digitais, onde diferentes plataformas ocupam espaços específicos e atendem a distintas necessidades dos usuários. A conclusão é que metáforas e conceitos da ecologia podem ajudar a visualizar o ambiente digital sob uma nova perspectiva, identificando padrões, relações e dinâmicas que podem orientar estratégias mais eficientes e sustentáveis para sua evolução.
Em exemplo prático para visualizar tais relações, é a comparação entre uma floresta, representativa de um ecossistema natural, e um mercado on-line, exemplificando um ecossistema digital. No nível micro, na floresta, estão as plantas, os animais e os micro-organismos, enquanto, no mercado on-line, são os produtos e serviços oferecidos por diversas empresas. No nível meso, as interações entre espécies na floresta podem ser equiparadas às interações entre empresas e consumidores no mercado on-line.
No nível macro, a dinâmica de toda a comunidade de organismos na floresta reflete a dinâmica do mercado digital como um todo. No nível mega, fatores externos, como mudanças climáticas na floresta e regulamentações governamentais no mercado on-line, exercem influência sobre o funcionamento desses ecossistemas. Por fim, no nível meta, tanto a conservação da biodiversidade na floresta quanto a promoção da inovação e da ética digital no mercado on-line são aspectos cruciais a serem considerados para a sustentabilidade e o equilíbrio desses ecossistemas.
A história humana é marcada por uma jornada bem-sucedida no planeta, onde observamos os sistemas naturais e realizamos intervenções para adaptar plantas, animais e ecossistemas às nossas necessidades. No entanto, ao longo dessa trajetória, algumas dessas intervenções negligenciaram equilíbrios delicados, desenvolvidos ao longo de milhões de anos de tentativa e erro, que asseguraram a resiliência e a durabilidade da natureza. O desrespeito a esses equilíbrios, visando apenas benefícios de curto prazo para os humanos, representa um sério risco para a saúde do planeta e, em última instância, pode comprometer a própria viabilidade da sociedade.
Tal aprendizado explicita as inúmeras vantagens em alinhar o mundo digital aos princípios da ecologia e da sustentabilidade, os quais foram refinados ao longo de milhões de anos e incorporados aos seres vivos e aos sistemas naturais muito antes do surgimento da humanidade, das indústrias, do comércio ou de qualquer outra criação moderna. Portanto, parece prudente considerar os princípios da ecologia e da sustentabilidade ao moldar o futuro do mundo digital, o que poderá garantir uma abordagem mais equilibrada e responsável em relação às suas transformações e impactos.
Pesquisador da Embrapa Agroenergia*
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