O uso excessivo de dispositivos eletrônicos representa riscos à saúde

Presentes desde o primeiro minuto do dia até a hora de se deitar novamente, os smartphones acompanham cada passo, cada atividade, encontro e obrigações das pessoas. Seja para se comunicar, informar, estudar, trabalhar e até se divertir, os celulares, os tablets, os computadores e as televisões são onipresentes e essenciais no dia a dia da sociedade atual. Entretanto, apesar da funcionalidade e da eficiência desses aparelhos, o uso excessivo pode ter impactos severos na saúde.

Um levantamento feito pela Electronics Hub, site de informações eletrônicas, a partir da pesquisa Digital 2023: Global Overview Report, da DataReportal, mostra que, dos 45 países participantes, o Brasil é o segundo com mais pessoas em frente a uma tela, atrás somente da África do Sul. Segundo o estudo, os brasileiros passam cerca de 56,6% das horas em que estão acordados em frente a telas, totalizando cerca de nove horas por dia.

Os números demonstram o uso excessivo e diário dessas tecnologias no Brasil, que pode ter consequências reais na saúde dos indivíduos, como o aumento de problemas de visão, depressão e ansiedade, distúrbios do sono e dificuldades cognitivas.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 285 milhões de pessoas estão com a visão prejudicada, sendo que a maioria dos casos, entre 60% e 80%, podem ser evitados ou tratados. A exposição excessiva a telas de dispositivos eletrônicos é um grande agravante desse quadro.

“A luz azul em excesso causa um envelhecimento mais precoce das estruturas oculares, em especial a mácula (região central da visão), estando associada a uma maior incidência de degeneração macular”, afirma a médica oftalmologista Mayra Melo.

O uso de dispositivos eletrônicos tem se mostrado um grande fator de risco para a progressão da miopia. Segundo Mayra, estimativas apontam que cerca de 50% da população mundial será míope até 2050. “A leitura excessiva de perto causa uma alteração na acomodação dos olhos, mecanismo em que o músculo do olho e o cristalino trabalham para trazer o foco de perto”, explica. Pessoas que trabalham em frente a telas, ou qualquer um que faz o uso em excesso de celulares, tablets ou computadores, estão expostas aos riscos oculares desencadeados pela luz desses dispositivos.

Outro distúrbio ocular que pode ser desencadeado pela exposição a telas é o estrabismo — desequilíbrio na função dos músculos dos óculos que causa a perda do paralelismo dos olhos. De acordo com Mayra, as crianças estão mais suscetíveis a essa condição, por ainda estarem em processo de desenvolvimento visual.

Para os adultos que trabalham em frente a telas, Mayra recomenda ficar a uma distância de cerca de 30cm a 40cm, fazer uma pausa de 15 minutos a cada duas horas, e a cada 20 minutos, olhar 20 segundos para longe. Lembrar sempre de piscar para evitar o ressecamento dos olhos e usar colírios lubrificantes durante o dia são outras medidas preventivas.

A exposição excessiva a telas de dispositivos eletrônicos pode ter impactos na qualidade do sono, levando ao desenvolvimento de distúrbios

O uso de celulares, tablets e computadores afeta diretamente a saúde mental, podendo levar ao desenvolvimento de transtornos como depressão e ansiedade. Segundo a psicóloga Thalita Araujo Teixeira, os inúmeros estímulos visuais e auditivos dos dispositivos eletrônicos causam a hiperestimulação do cérebro, o que leva a uma sobrecarga emocional, aumentando os níveis de estresse e ansiedade.

Além disso, a utilização, em especial, de smartphones e redes sociais, libera bombas de dopamina no cérebro, um dos hormônios da felicidade e que provoca a sensação de prazer e satisfação, mas que, em excesso, pode levar ao vício. “Faz com que busquemos cada vez mais a sensação de bem-estar e motivação de forma imediata, o que colabora para que usemos o celular e as redes sociais com mais e mais frequência”, afirma Thalita.

Segundo ela, o uso exacerbado de dispositivos eletrônicos também pode levar ao desenvolvimento da Síndrome de FOMO, sigla em inglês de “fear of missing out”, que significa “medo de ficar de fora”. Essa síndrome se caracteriza pelo medo de perder eventos ou informações importantes, e pela necessidade constante de atualizar as redes sociais, levando a pessoa a estar constantemente conectada.

Outro transtorno crescente na era da tecnologia é a nomofobia, medo de ficar sem dispositivos móveis, resultando em ansiedade e desconforto quando o indivíduo não tem acesso ao celular. “Esse comportamento é comparável ao vício em substâncias, como drogas e álcool, devido à resposta de dopamina no cérebro similar àquela observada em dependentes químicos”, afirma a psiquiatra Renata Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr).

Importantíssimo para a regulação do organismo e para a consolidação das memórias e dos aprendizados, o sono pode ser extremamente impactado pelo excesso de dispositivos eletrônicos, principalmente se usados perto da hora de dormir.

“A exposição à luz azul das telas interfere na produção de melatonina, o hormônio que regula o sono, dificultando a capacidade de adormecer e resultando em sono de baixa qualidade”, alerta a psiquiatra Renata Figueiredo.

Isso leva à redução da qualidade e do tempo total de descanso, podendo causar distúrbios como insônia, parassonias, desregulação do ciclo circadiano e síndrome do sono insuficiente, que agravam sintomas ansiosos e depressivos. Para evitar essas consequências no sono, é de extrema importância limitar o tempo total de dispositivos eletrônicos e evitar o uso de telas pelo menos uma hora antes de dormir.

De acordo com Renata, o alto uso de telas também pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo, afetando a concentração e a capacidade de aprendizado, principalmente em crianças e adolescentes.

A psicóloga Thalita Araujo Teixeira afirma que isso ocorre devido à sobrecarga de informações e à gratificação instantânea oferecida pelos dispositivos, acarretando em uma diminuição da atenção em atividades mais longas e complexas — reduzindo o tempo de estudo e de trabalho e a motivação para tais atividades. “Todos esses fatores interferem na memória, no processamento de informações e impactam na aprendizagem.”

Quais estratégias adotar para reduzir o vício em telas?

Estabelecer horários específicos para o uso de dispositivos móveis e evitar o uso durante refeições e antes de dormir. Criar espaços livres de tecnologia, designando áreas da casa, como o quarto, como zonas livres de tecnologia, para promover um ambiente de descanso. Encorajar a prática de atividades físicas, hobbies e interações sociais presenciais para reduzir a dependência de telas. Buscar ajuda de profissionais de saúde mental para desenvolver estratégias de redução do uso de tecnologia e tratar sintomas de ansiedade e depressão relacionados.

Como é a captação das informações dos celulares pelo nosso cérebro? Por que o vício em telas é tão alto?

Os dispositivos móveis captam nossa atenção por meio de notificações constantes e atualizações, que ativam o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina, o que gera uma sensação de prazer e reforça o comportamento de uso contínuo. A facilidade de acesso a informações e comunicação rápida transforma o uso de telas em um hábito difícil de ser abandonado.

Renata Figueiredo, é presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr)

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

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