Performance resgata sobrenomes africanos e indígenas por inteligência artificial

Inspirado no projeto de lei de resgate de sobrenomes indígenas e africanos, o artista Christus Nóbrega idealizou a performance Cartório de registro de identidade restaurada. A reflexão de restauração identitária e justiça ancestral é sediada pelo Museu Nacional, onde acompanha a exposição Brasília: A Arte do Planalto. Uma inteligência artificial (IA) criada pelo artista será disponibilizada no local para que o público pesquise um novo sobrenome a partir de informações ancestrais fornecidas pelo interessado.

A IA foi alimentada com uma base de dados que contém mais de 8 mil sobrenomes africanos e indígenas, juntamente com os respectivos significados, resultado de um levantamento histórico realizado por Nóbrega. O assistente digital guia o público na busca de um novo sobrenome por meio de uma interface intuitiva. Os participantes podem acessar a IA por meio de link e retirar a Certidão de Identidade Restaurada de forma presencial.

Vestido como um burocrata em frente a certidões de registro de identidades, Christus convida o público a sentar-se à mesa para receber a nova certidão de sobrenome corrigido. A ação pretende visibilizar o projeto de lei No 803 de 2011, aprovado no Congresso e atualmente parado no Senado, que altera a Lei de Registros Públicos (Lei no 6.015/1973) para permitir que afrodescendentes e indígenas possam incluir sobrenomes de origem africana ou indígena nos registros civis, a qualquer momento.

‘Cartório de registro de identidade restaurada’

O projeto busca reparar as perdas identitárias sofridas durante o período colonial, quando sobrenomes europeus foram impostos a populações escravizadas e indígenas. O artista enfatiza que essa imposição de sobrenomes fazia parte de uma estratégia de dominação cultural e social: “Ao substituir os nomes originais por sobrenomes europeus, os colonizadores buscavam desumaniza-las e controlá-las. Isso força a assimilação dos escravizados à ordem social e religiosa colonial.” Entre os sobrenomes mais comuns impostos estavam nomes com referências católicas, características físicas, geográficas, ou relacionadas aos próprios escravizadores, como “Santos”, “Cruz”, “Do Carmo” e “De Jesus”.

Foi ao perceber Brasília como uma cidade projetada para o futuro, mas com passado crítico, que Christus refletiu sobre a reavaliação de omissões históricas. “Como artista LGBTQI+, entendo profundamente o que significa ser apagado e marginalizado. Isso me motivou a criar esta performance, não apenas para dar visibilidade ao projeto de lei, mas também para promover um debate urgente sobre a necessidade de nos conectarmos com nossas raízes e identidades”, argumenta.

Christus avalia o papel da arte no debate político como reflexo do contexto sociocultural do momento: “Por isso, a arte é essencialmente política.” Ele opina que a arte provoca discussões e desafia as estruturas de poder que definem quem tem direitos, quem exerce controle e como os recursos e oportunidades são distribuídos. O trabalho meticuloso da construção de banco de dados da IA garante que os sobrenomes coletados representem a cultura ancestral.

‘Cartório de registro de identidade restaurada’

Os relatos dos participantes que Christus recebe revelam que o trabalho faz jus a intenção: “Um dos depoimentos marcantes veio de uma pessoa cujo avô havia raptado sua avó indígena, uma história que havia se tornado um tabu na família. Este e outros relatos revelam como o gesto de recuperar um sobrenome é uma oportunidade de confrontar memórias familiares e silenciamentos históricos, resgatando uma parte de sua identidade que, por muito tempo, permaneceu apagada.”

Um dos símbolos do espetáculo é a imagem do Baobá, uma árvore sagrada em muitas culturas africanas. Conhecida por viver por milhares de anos, a árvore simboliza raízes ancestrais, a sabedoria e o ciclo da vida. Christus conta que os escravizados eram forçados a caminhar ao redor dessas árvores na tentativa de romper ligações culturais e espirituais antes de serem transportados para o Brasil: “Mesmo assim, alguns deles esconderam sementes de baobá e as plantaram em solo brasileiro, mantendo viva sua ancestralidade e resistência. Por isso, acabei usando o baobá como símbolo para um dos carimbos utilizados na performance.”

Serviço:

Cartório de registro de identidade restaurada

De 25 de setembro a 24 de novembro, das 9h às 10h30, no Museu Nacional da República (Setor Cultural Sul, Lote 2). Programação completa da performance disponível no Instagram do Museu @museunacionaldarepublica, sujeito a mudanças semanais.

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