Prêmio Jovem Cientista: conheça os vencedores da categoria Ensino Superior

A internet pode revelar diversas formas de violência, mesmo quando as vítimas não percebem que acontece. Foi a partir dessa reflexão que a estudante Arienny Carina Ramos Souza, de 23 anos, graduanda em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal do Pará (IFPA), desenvolveu um projeto de iniciação científica que levou o primeiro lugar na categoria Ensino Superior do 30º Prêmio Jovem Cientista.

O estudo analisa a dinâmica do assédio sexual de professores contra estudantes do sexo feminino no ambiente virtual e começou a ser desenvolvido com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A ideia da pesquisa “Gênero e poder no ciberespaço: a dinâmica do assédio sexual contra estudantes do sexo feminino nas redes sociais on-line” nasceu a partir de denúncias de alunas do próprio IFPA no campus Belém. O estopim foi um protesto contra um professor de Química do instituto, acusado de estuprar uma aluna em 2022.

— Eu comecei a enxergar o assédio sexual como um ritual que, no contexto contemporâneo do ciberespaço e de tecnologias digitais de internet, não somente favorece como também precede o assédio sexual físico — explica Arienny.

A pesquisa envolveu a revisão de literatura e a análise de denúncias divulgadas na imprensa brasileira e na página do Facebook “Meu professor abusador”, entre os anos de 2016 e 2024. O objetivo foi compreender como o assédio ocorre nas interações digitais, muitas vezes disfarçado de elogios ou abordagens aparentemente inofensivas.

O estudo revelou que as alunas eram assediadas com o envio de mensagens constrangedoras, de fotos e vídeos de cunho sexual, por meio do WhatsApp, do Facebook e do Instagram. Também eram feitos convites incessantes para sair e propostas de sexo em troca de benefícios acadêmicos.

Afirmação de poder

O estudo identificou que o assédio sexual no ciberespaço está ligado à afirmação de poder e controle, perpetuando normas hierárquicas que favorecem os assediadores, em sua maioria professores do sexo masculino. A investigação analisou 12 casos relatados na página “Meu professor abusador”, mas também contou com a participação de alunas do campus Belém do IFPA.

As estudantes responderam a um formulário eletrônico que coletou 22 depoimentos de experiências de assédio sexual no ambiente digital entre outubro de 2023 e abril do ano passado. As respostas foram coletadas em turmas do ensino médio nos cursos técnicos de Agrimensura, Eletrotécnica e Química. O formulário foi apresentado também a estudantes de turmas de graduação em Letras (Português) e História do campus Belém do IFPA.

Os dados apontam que mulheres negras oriundas de escolas públicas e de camadas economicamente desfavorecidas são vistas como mais vulneráveis pelos assediadores. A condição também influencia a falta de disposição das vítimas em denunciar os abusos, que acabam não buscando ajuda por se sentirem mais vulneráveis.

Arienny desenvolveu uma cartilha para ajudar estudantes a reconhecer situações de assédio sexual no ciberespaço. O material também apresenta estratégias para poder evitar esses episódios e incentiva a formação de uma consciência crítica entre mulheres e meninas, além de ensinar como as vítimas podem denunciar esses professores dentro da escola, na universidade e à polícia.

— Ter o reconhecimento do prêmio é algo que sonho desde quando era uma garotinha do ensino fundamental que queria fazer ciência. Vencer com esse trabalho que busca a segurança de mulheres é muito especial — diz Arienny.

2º lugar: Samuel Ferreira da Silva

Filho de agricultores, Samuel Ferreira da Silva, bacharel em Sistemas de Informação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, sempre esteve atento às dificuldades que pequenos produtores rurais enfrentam com a tecnologia. Auxiliando os pais no campo, percebeu que, além do alto custo dos equipamentos, o receio de usá-los era uma barreira para muitos.

Motivado por esse desafio, Samuel desenvolveu um projeto voltado a hortas urbanas, promovendo a sustentabilidade ambiental e econômica. “Automação de hortas residenciais urbanas: estudo de caso de uma residência” conquistou o segundo lugar na categoria Ensino Superior do 30º Prêmio Jovem Cientista.

A proposta busca solucionar o desperdício de água e energia causado pela irrigação manual ineficiente. Durante o desenvolvimento do trabalho, o pesquisador construiu um protótipo de baixo custo que otimiza o processo de irrigação, integrando o sistema automatizado a uma cisterna.

A criação de Samuel usa o microcontrolador ESP32, de baixo custo e que consome pouca energia, associado ao FreeRTOS, sistema operacional de código aberto. O conjunto do hardware foi conectado à plataforma de software livre Sinric Pro, que tem integração com a assistente virtual Alexa.

Uma interface gráfica facilita o monitoramento e controle, permitindo que usuários sem experiência técnica operem a automação da irrigação. O estudo demonstrou que a adoção de sensores interconectados em um ambiente de internet das coisas contribui significativamente para a sustentabilidade na produção de alimentos em espaços urbanos.

— O estudo torna a automação agrícola acessível a um público amplo, incluindo pequenos produtores e moradores de áreas urbanas. A solução permite que usuários gerenciem a irrigação via aplicativos — explica Samuel.

Os sensores integrados ofereceram respostas rápidas e precisas sobre variações ambientais, racionalizando o uso da água e da energia. O sistema também foi eficiente para monitorar e regular a umidade do solo, evitando o desperdício e melhorando o crescimento das plantas.

O engenho de Samuel se revelou acessível até mesmo a pessoas com pouca familiaridade com tecnologia. O filho de agricultores pretende continuar o projeto em um programa de mestrado, aprimorando a coleta de dados por sensores e preparando o protótipo para manufatura. Entre os aperfeiçoamentos previstos está um servidor centralizado para aumentar a eficiência e a segurança.

— Ganhar o prêmio representa pra mim um processo transformador na sociedade em relação à ciência e à tecnologia, e também um incentivo para continuar desenvolvendo soluções inovadoras e inspiradoras para o nosso país — celebra.

3º lugar: Gabriel Rocha Schuab da Silva

Cria de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e apaixonado por saúde pública, o biotecnólogo Gabriel Rocha Schuab da Silva, de 26 anos, ganhou o terceiro lugar na categoria Ensino Superior com sua pesquisa que ressalta o papel da integração de dados na tomada de decisões para o controle e prevenção das arboviroses, como a dengue, a chikungunya e a zika, no Estado do Rio.

Formado pela UFRJ e mestrando em Medicina Tropical pela Fiocruz, Gabriel Schuab passou a ver novas dimensões sobre a coleta de dados relacionados a arbovírus — transmitidos por insetos como mosquitos, carrapatos e aranhas — após participar de pesquisas em laboratório com o coronavírus SARS-CoV-2.

O pesquisador elaborou o projeto “Integração de dados de interesse na investigação da dispersão dos principais arbovírus circulantes em cada região do estado do Rio de Janeiro — Uma abordagem de saúde digital”, que combina dados epidemiológicos, climáticos, populacionais e genômicos para compreender a dispersão dos arbovírus no estado.

A análise de dados revelou padrões sazonais de surtos entre 2015 e 2023. Picos significativos de dengue ocorreram em 2015, 2016 e 2019, mas surtos de zika e chikungunya apresentaram dinâmicas distintas. O estudo mostrou que a integração de bases de dados é essencial para medidas de controle para diferentes regiões fluminenses, já que áreas menos populosas surpreendentemente apresentaram maior incidência de arboviroses.

— Com os dados em mãos, os órgãos competentes podem desenvolver uma plataforma que faça uma análise automática e em tempo real de cada região para identificar como é a circulação desses vírus e tomar as medidas de controle preventivas específicas — explica Schuab.

Análises de semelhanças genéticas indicaram múltiplas entradas desses vírus no Rio, aumentando a disseminação de novas cepas no estado. Outra descoberta relevante foi a baixa correlação entre mudanças climáticas e a circulação de arbovírus, sugerindo que outros fatores podem ser mais determinantes na propagação dessas doenças.

Vigiar para prevenir

A pesquisa também reforçou a importância do acompanhamento de agentes causadores de doenças infecciosas em áreas mais vulneráveis. A integração de dados permite disseminar informações com maior eficácia, incentivando a população a aderir a campanhas de vacinação contra a dengue, cuja adesão ainda é baixa. A imunização é vista como um fator essencial para reduzir o impacto da doença e fortalecer a imunidade coletiva da população.

— Receber esse prêmio demonstra que eu fiz a escolha certa, que eu sou realizado academicamente e na batalha pela defesa do SUS — comemora o mestrando da Fiocruz.