Teste de urina em vez de exames invasivos e dolorosos

A cistoscopia é um procedimento invasivo que envolve a inserção de uma sonda flexível pela uretra até a bexiga para examinar o revestimento em busca de sinais de tumor e outras condições. Embora seja comum e geralmente segura, pode causar desconforto, dor e, em alguns casos, pequenos riscos, como infecções urinárias ou sangramento. Uma pesquisa apresentada hoje, no Congresso da Associação Europeia de Urologia (EAU), em Paris, na França, constatou que um simples exame de urina pode diminuir em mais da metade o número de cistoscopias necessárias para monitorar pacientes com câncer de bexiga de alto risco.

O estudo, que teve duração de dois anos, indicou que não houve aumento do risco de recorrência em pacientes submetidos a um teste de biomarcador urinário em vez da cistoscopia padrão. O trabalho conduzido pelo Hospital Universitário de Aarhus, na Dinamarca, onde o acompanhamento pós-cirúrgico para câncer de bexiga de alto risco inclui cistoscopias a cada quatro meses, foi comparado com a prática ainda mais frequente no Reino Unido, em que o procedimento é realizado trimestralmente.

Pacientes de alto risco, com a forma mais agressiva de câncer de bexiga, têm uma probabilidade de 60% a 70% de recorrência do tumor em um período de cinco anos após a cirurgia, o que justifica o acompanhamento intensivo. Essa pesquisa foi a primeira a avaliar um teste de biomarcador urinário em um ensaio controlado desse tipo.

“Sabemos que muitos pacientes realmente temem as consultas de cistoscopia, mas estão preparados para realizá-las porque querem ter certeza de que estão livres do câncer”, afirmou, em nota, Thomas Dreyer, cientista da Equipe de Pesquisa do Câncer de Bexiga do Hospital Universitário de Aarhus. “No entanto, se tivesse a opção de fornecer uma amostra de urina em vez de se submeter a um procedimento médico desconfortável, a maioria escolheria essa opção, desde que estivessem confiantes de que seria igualmente eficaz.”

Para o ensaio, os cientistas contaram com a participação de 313 pessoas com a doença. Metade foi selecionada aleatoriamente para receber o padrão de três cistoscopias por ano. A outra parte recebeu apenas uma cistoscopia por ano, sendo as duas restantes substituídas pelo teste chamado Xpert® Bladder Cancer Monitor. O novo exame monitora a recorrência do câncer medindo os níveis de cinco marcadores genéticos.

Todos os pacientes que tiveram um diagnóstico positivo no exame de urina foram chamados para uma cistoscopia para verificar evidências da recidiva do carcinoma.

Os resultados do estudo mostraram que, para aqueles que fizeram o teste de urina, a cistoscopia foi necessária em apenas 44% das consultas. No grupo de tratamento padrão, quase todos os participantes foram submetidos à cistoscopia nos retornos médicos.

Os pesquisadores verificaram evidências de que o novo exame poderia detectar a recidiva antes que qualquer doença fosse visível através da cistoscopia. Para mais de metade dos pacientes que tiveram um teste “falso positivo” —com o teste do biomarcador positivo, mas a cistoscopia negativa — os investigadores encontraram evidências de recorrência do carcinoma numa consulta seguinte

André Rezek Rodrigues, especialista em urologia e cirurgia robótica do hospital Anchieta, em Brasília, frisa que, se aprovado e demonstrado resultados favoráveis, com significância estatística, “o exame pode ser incorporado no dia a dia para acompanhamento de pessoas com neoplasia de bexiga.” O médico reforça que o câncer de bexiga está muito relacionado ao tabagismo e é uma patologia com altas taxas de recidiva e progressão. “Por isso demanda um seguimento recorrente com o urologista e gera bastante custos para o sistema de saúde.”

“Como urologistas, sabemos que realizamos muitas cistoscopias, especialmente durante o acompanhamento de pacientes com câncer de bexiga não invasivo aos músculos, então precisamos encontrar alternativas. O câncer de bexiga é uma doença que afeta particularmente os idosos e prevemos um número crescente de pacientes devido ao envelhecimento da população, o que poderá ter impacto no número de pessoas com acesso a cuidados”, destacou Joost Boormans, professor de urologia no Centro Médico da Universidade Erasmus, nos Países Baixos e membro do Escritório do Congresso Científico da EAU.

Jessé Lima, urologista do Hospital Santa Marta, em Brasília, pondera que, apesar dos primeiros dados liberados sobre o exame serem animadores, é necessário aguardar os resultados consolidados. “Hoje todos os pacientes com suspeita diagnóstica para tumor de bexiga e aqueles em acompanhamento pós-operatório precisam realizar a cistoscopia para analisar o órgão por dentro. Apesar de corriqueiro, o procedimento não é isento de complicações. Com esse novo exame de urina, muitos problemas poderão ser evitados.”

Para os autores, caso os resultados definitivos consolidem a eficácia da abordagem na detecção de recorrências tumorais, isso poderia representar uma maneira eficaz de reduzir a necessidade de cistoscopias frequentes, tornando os cuidados de saúde mais acessíveis e eficientes.

“Esses testes têm o potencial de ajudar principalmente porque no Brasil a quantidade de exames de cistoscopias feitos nos pacientes em tratamento de câncer de bexiga é muito menor do que deveria. O preço pago por essas pessoas é a progressão da doença em muitos casos, porque a terapêutica não é feita nas fases iniciais da recidiva. O paciente faz o tratamento e quando a doença volta demora para perceber porque a frequência de cistoscopias é insuficiente, assim acabamos descobrindo o retorno do câncer numa fase mais tardia. É um problema na saúde privada no Brasil, e uma questão infinitamente maior na saúde pública. Então, os testes feitos dessa forma podem trazer um benefício muito grande para pacientes e, eventualmente, cobrir um buraco que é a falta de centros para a realização de cistoscopia.”

Fernando Korkes, supervisor da Disciplina de Câncer de Bexiga da Sociedade Brasileira de Urologia

“Esses testes têm o potencial de ajudar principalmente porque no Brasil a quantidade de exames de cistoscopias feitos nos pacientes em tratamento de câncer de bexiga é muito menor do que deveria. O preço pago por essas pessoas é a progressão da doença em muitos casos, porque a terapêutica não é feita nas fases iniciais da recidiva. O paciente faz o tratamento e quando a doença volta demora para perceber porque a frequência de cistoscopias é insuficiente, assim acabamos descobrindo o retorno do câncer numa fase mais tardia. É um problema na saúde privada no Brasil, e uma questão infinitamente maior na saúde pública. Então, os testes feitos dessa forma podem trazer um benefício muito grande para pacientes e, eventualmente, cobrir um buraco que é a falta de centros para a realização de cistoscopia.”

Fernando Korkes, supervisor da Disciplina de Câncer de Bexiga da Sociedade Brasileira de Urologia

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