Os pesquisadores John Hopfield, dos Estados Unidos, e Geoffrey Hinton, do Reino Unido e Canadá, foram laureados com o Prêmio Nobel de Física de 2024 por suas contribuições pioneiras indispensáveis para o desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA). A escolha foi anunciada pelo comitê, que destacou os “trabalhos fundamentais que permitem a aprendizagem automática utilizando redes neuronais artificiais”.
As pesquisas realizadas por ambos durante a década de 1980 foram decisivas para o avanço de uma tecnologia que promete não apenas transformar a sociedade, mas que também suscita preocupações sobre o futuro e os riscos associados à inteligência artificial.
John Hopfield, agora com 91 anos e professor na Universidade de Princeton, ficou conhecido pela criação da “rede Hopfield”, uma forma de memória associativa que possibilita armazenar e reconstruir imagens e outros tipos de modelos. Ele recebeu a notícia do prêmio enquanto estava em uma cabana no Reino Unido, em um momento de tranquilidade. “Minha esposa e eu saímos para tomar a vacina contra a gripe. Ao retornarmos, encontramos uma pilha de e-mails que descrevi como ‘assustadores’ e ‘comoventes'”, compartilhou.
Hinton, por sua vez, desenvolveu a máquina de Boltzmann, um método que permite a descoberta autônoma de propriedades em dados, viabilizando a identificação de elementos específicos em imagens. “É importante que as pessoas entendam que essas tecnologias têm potencial tanto para o bem quanto para o mal”, afirmou o cientista.
Em uma entrevista por telefone logo após o anúncio do prêmio, Hinton, de 76 anos e professor na Universidade de Toronto, expressou sua gratidão, mas também suas inquietações sobre a evolução da IA. “Nas mesmas circunstâncias, faria o mesmo outra vez, mas me preocupa que a consequência geral disso possa ser que sistemas mais inteligentes que nós tomem o controle”, afirmou, ressaltando a necessidade urgente de pesquisas sobre a segurança da IA.
Sebastião Rogério, doutorando em Engenharia da Computação, mestre em Informática e especialista em ciência de dados, detalha que os riscos associados ao uso de tecnologias de IA incluem questões como privacidade, preconceitos algorítmicos, manipulação de informações e a potencial perda de empregos devido à automação. “Essas questões podem levar a impactos sociais e econômicos negativos se não forem geridos adequadamente. Um dos principais desafios é o viés embutido nos algoritmos, que pode resultar em decisões injustas ou discriminatórias, além da dificuldade em proteger dados pessoais.”
Geoffrey, considerado um dos pais da Inteligência Artificial, foi alvo de críticas em 2023 ao renunciar ao seu cargo no Google. A decisão foi motivada pelo desejo de alertar a sociedade sobre os “profundos riscos para a sociedade e a humanidade” associados à tecnologia que ele mesmo ajudou a criar.
Para Fábio Guimarães, professor de ciência da computação do Centro Universitário Ceub, em Brasília, as descobertas da dupla são fundamentais “porque estabeleceram bases teóricas e práticas para a compreensão e a implementação de redes neurais. Hopfield introduziu modelos que se aproximam do funcionamento do cérebro, enquanto Hinton revolucionou o aprendizado profundo, permitindo que máquinas aprendam representações complexas de dados.”
Conforme Leopoldo Grajeda Fernandes, cientista de dados e professor da Hayek Global College, a ciência da computação caminha ao lado da Física. “Muito do que temos de mais avançado hoje na tecnologia computacional reflete ideias desenvolvidas por físicos teóricos no século passado. A concessão do Nobel de Física para essa dupla é um reconhecimento de como, no longo prazo, os avanços significativos na física teórica impactam o desenvolvimento tecnológico.”
As redes neuronais artificiais, que se inspiram no funcionamento do cérebro humano, têm sido utilizadas em diversos campos, desde a física de partículas até a astrofísica, passando pelo reconhecimento facial e pela tradução automática. Ellen Moons, presidente do comitê Nobel de Física, destacou, em comunicado, que, com as descobertas de Hopfield e Hinton, a humanidade agora possui um conjunto de ferramentas que “podemos escolher utilizar com bons fins”. Essa afirmação ressalta a dualidade do impacto da IA: sua capacidade de revolucionar positivamente a sociedade ao mesmo tempo em que levanta questões éticas e de segurança.
O professor da Universidade de Toronto, Geoffrey Hinton, frisou que a comunidade científica deve se preparar para os desafios que a inteligência artificial traz. “Estamos em um ponto de bifurcação na história. Nos próximos anos, precisamos descobrir uma maneira de lidar com a ameaça existencial que esses sistemas podem representar”, disse ele.
Ele também reconheceu o próprio papel como um usuário ávido de ferramentas com essa tecnologia, como o ChatGPT, enquanto expressou preocupações sobre as possíveis consequências. “Não temos experiência do que significa dispor de coisas mais inteligentes que nós, e isso será fantástico em muitos aspectos, em âmbitos como a saúde”, afirmou, mas acrescentou que essa realidade vem junto a grandes responsabilidades.
Gabriel Schleder, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas (SP), e especialista em aprendizado de máquina, reforça que a escolha dos vencedores não laurea apenas os desenvolvimentos científicos passados, mas também o presente e o futuro dessa área. “Isso porque esses tipos de redes neurais conseguem resolver problemas na área de som, linguagem e imagens. São aplicações nas mais diversas áreas.”
Kayo Monteiro, mestre em engenharia da computação e especialista em gestão estratégica da tecnologia da informação, destaca que a regulação da IA é um desafio complexo. “O desenvolvimento e o uso da IA envolve monitoramento constante, transparência nas operações e accountability, que é a responsabilidade de quem desenvolve e utiliza essas tecnologias em prestar contas e responder pelos impactos causados. A regulação deve ser adaptativa para acompanhar o rápido progresso tecnológico, garantindo que a IA seja utilizada de maneira segura e ética, sem sufocar a inovação. (IA)
Thiago Henrique Silva, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e Informática Industrial, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. “A escolha foi muito acertada. A inteligência artificial já está impactando a sociedade mundial, mas terá um impacto ainda maior nos próximos anos, será realmente uma revolução. Fui professor visitante na Universidade de Toronto, tive a honra de conhecer mais sobre as pesquisas que Hinton e seu grupo estavam desenvolvendo.”
Weverson Garcia Medeiros, professor nos cursos de análise e desenvolvimento de sistemas e engenharia de software no Centro Universitário Uniceplac, em Brasília
A inteligência artificial tem um enorme potencial para transformar diversos setores, mas é fundamental que seja desenvolvida e aplicada em parceria com especialistas. Quando profissionais da saúde, educação, direito, ou outras áreas trabalham junto aos desenvolvedores de IA, é possível assegurar que as soluções tecnológicas considerem as complexidades humanas e sociais, minimizando o risco de gerar desigualdades.
No Brasil precisamos investir em formação de gente que saiba avançar a tecnologia e usar bem os avanços. Falamos muito em investimento, o que há, mas tecnologia é fundamental para um país do tamanho do Brasil, é fundamental em várias áreas. O Brasil tem bancos de dados belíssimos que poderíamos usar a nosso favor, resolver problemas usando tecnologia de inteligência artificial, mas é preciso que a gente se preocupe com a educação. Existe ainda no país um documento feito pela Academia Brasileira de Ciências, ano passado, que são recomendações para IA no Brasil.
Edmundo Souza e Silva, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professor do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe/UFRJ
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